IA não acaba com programadores, mas cria novas funções

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Por Rodrigo Palhano, Co-Fundador e Vice Presidente do Conselho de Administração da TecnoSpeed

A ascensão da inteligência artificial generativa trouxe uma dúvida incômoda ao mundo da programação: a possibilidade de não precisarmos mais de tantos desenvolvedores para escrever software. Modelos capazes de gerar linhas de código, corrigir bugs e até estruturar sistemas inteiros parecem anunciar um futuro em que máquinas substituem grande parte do esforço humano. Mas, olhando para a história da computação, o que se vê é menos o fim do programador e mais a reconfiguração constante de seu papel.

Dos cartões perfurados às linguagens modernas, cada salto tecnológico veio acompanhado de previsões sobre o fim da programação. IDEs inteligentes, frameworks e geradores automáticos já foram vistos como ameaças à profissão. No entanto, cada avanço acabou ampliando a complexidade, abrindo espaço para novas linguagens e especializações. O programador deixou de ser apenas quem escreve instruções para assumir papéis de arquiteto de sistemas, designer de experiências e guardião da ética e do contexto em que o software se insere.

A inteligência artificial surge agora como a mais recente etapa desse ciclo. Entre programadores, sua adoção cresce em ritmo acelerado. Pesquisa da Stack Overflow mostra que 84% já usam ou pretendem usar ferramentas de IA, número acima dos 76% registrados no ano anterior. Esse avanço, contudo, não vem acompanhado de confiança plena. Quanto mais as ferramentas se disseminam, mais aumentam as dúvidas sobre qualidade, transparência e riscos éticos. É uma tensão antiga. Cada salto técnico prometeu reduzir o esforço humano, mas na prática reconfigurou o trabalho. As IDEs inteligentes, os testes automatizados, os frameworks e a integração contínua não eliminaram programadores, mas criaram novas camadas de complexidade que exigiram mais especialização. A IA repete esse padrão.

Os dados econômicos reforçam a mesma lógica. O Barômetro Global de Empregos em IA da PwC mostra que setores mais expostos à tecnologia registraram produtividade 4,8 vezes maior, enquanto funções especializadas em IA oferecem salários até 25% mais altos. Há ganhos expressivos, mas também um efeito colateral: desigualdades se ampliam quando a capacitação não acompanha o ritmo. O trabalho técnico não desaparece, ele se desloca para novas fronteiras. Cada plataforma, do mainframe à web, do mobile à nuvem, multiplicou demandas, criou novas linguagens, ferramentas e papéis. A IA é apenas a mais recente dessa sequência.

Ainda assim, é preciso considerar a hipótese de que esta virada seja diferente. Pela primeira vez, a promessa de substituição do trabalho técnico em escala parece plausível. As demissões em grandes empresas de tecnologia, os ganhos de produtividade e a pressão por eficiência alimentam esse argumento. Mas a história sugere cautela. Até hoje, o que parecia ameaça ao programador acabou se revelando um motor de novas funções e especializações. O que muda não é a necessidade do trabalho, mas sua natureza.

O verdadeiro desafio não está em decidir se a IA elimina ou não o programador, mas em como ela redistribui papéis, ganhos e riscos. Regulamentação responsável, políticas de capacitação e compromisso empresarial com formação são condições para que a nova plataforma seja vetor de inclusão e inovação, e não de exclusão. A produtividade pode crescer, mas a questão é se esse crescimento se converterá em mais oportunidades ou em mais desigualdade.

A ameaça não está na IA em si, mas na narrativa que a envolve. Grandes empresas continuam contratando programadores a peso de ouro enquanto proclamam sua substituição em massa, usando o medo como forma de domesticação e como estratégia de valorização de suas ações. Afinal, produzir IA custa caro e anunciar o fim do programador funciona como jogo de poder.

A história mostra que o código sempre escapou do script. Cada revolução técnica carregou o mesmo dilema e, até hoje, o saldo foi o surgimento de mais camadas de complexidade, mais especializações e mais necessidade de quem programe o mundo. A IA inaugura novas linguagens, ferramentas e modos de trabalhar. Não representa o fim do programador, mas o início de funções que ainda não têm nome. E talvez, mais uma vez, a história nos surpreenda.

*Rodrigo Palhano é empresário de software há 20 anos, sócio-fundador da TecnoSpeed, atualmente é o vice-presidente do Conselho Administrativo da empresa. Rodrigo Palhano construiu sua trajetória na criação de soluções tecnológicas para software houses em todo o Brasil. À frente da área de inovação, lidera projetos que integram inteligência artificial a produtos consolidados e novas plataformas, sempre com foco em escalabilidade e competitividade no mercado.